segunda-feira, 26 de setembro de 2011

HORMÔNIOS EICOSANÓIDES - PARTE I

      INSULINA, ÔMEGA 3 E RISCO CARDIOVASCULAR

               A maioria de nós já ouviu falar, ao menos uma vez, a palavra Insulina. Sabemos que a Insulina é um hormônio liberado pelo Pâncreas, que está relacionada com uma doença chamada Diabetes e que regula o nível de glicose no sangue (conhecido como Glicemia). Seu efeito, de modo bastante simplificado, seria assim: quando, em uma refeição ou lanche, ingerimos carboidratos (massas, doces, frutas, legumes, cereais), os mesmos são digeridos e absorvidos no nosso trato digestivo, aumentando os níveis de Glicemia. Ao ocorrer essa elevação da Glicemia, o Pâncreas é solicitado a liberar Insulina na corrente sanguínea. A seguir, a Insulina "retira" a glicose do sangue estimulando o seu armazenamento nas células do tecido adiposo, sob a forma de gordura (ácidos graxos). Entendemos, então, que, sempre que a ingestão de carboidratos for suficiente para estimular a liberação de Insulina pelo Pâncreas, resultará em acúmulo de gordura nas células do tecido adiposo. E a lógica nos diz que, quanto maior for a ingestão de carboidratos, maior quantidade de Insulina será liberada levando a um acúmulo maior de gordura no organismo. Seu efeito é contrabalançado por outro hormônio, o Glucagon, estimulado pela ingestão de proteínas. Pela ação do Glucagon o organismo acessa as gorduras de depósito e pode utilizá-las para a produção de energia. Então podemos dizer que o equilíbrio entre a ingestão de Carboidratos e Proteínas na alimentação é um fator primordial para o bom funcionamento do "eixo" Insulina-Glucagon, com a manutenção de níveis adequados de Insulina no sangue. Como dito acima, esse é um modo simplista de ver a Insulina.

               Há aproximadamente três décadas surgiram novas descobertas científicas que lançaram mais luz sobre a Insulina e seu papel no organismo. Mais especificamente, essas descobertas mostram esse hormônio como um dos fatores que aumentam o chamado Risco Cardiovascular. Estudos mostram que níveis elevados de Insulina na corrente sanguínea estão diretamente relacionados com a elevação da probabilidade de ocorrência de alguma patologia cardiovascular como Hipertensão Arterial, Infarto e AVC. E o mais importante, por não dizer preocupante, essa ação se dá através da instalação de um processo inflamatório crônico, difuso, progressivo e indolor que afeta os vasos sanguíneos, entre outras estruturas, denominado Inflamação Subclínica. Como esse processo vascular é, repito, progressivo e indolor, passa desapercebido (daí a sua denominação de subclínico) na maioria das vezes. De fato, estudos retrospectivos mostram um dado alarmante: em um grande percentual da casuística dos atendimentos de urgência e emergência, o sintoma inicial da Inflamação Subclínica afetando cronicamente o sistema circulatório chama-se Morte Súbita. E essa realidade não está distante de nós; basta lembrar de parentes, amigos ou conhecidos que, embora aparentemente saudáveis, sucumbiram a um Infarto ou AVC fulminante. Portanto, para melhor proteção da nossa Saúde e Bem Estar, é importante entender como a Insulina, um hormônio essencial ao nosso organismo, pode estimular essa Inflamação Subclínica e elevar a incidência de doenças Cardiovasculares. A resposta está nos Hormônios Eicosanóides e sua relação com o metabolismo da Insulina. E o que são Hormônios Eicosanóides, esses ilustres (ainda) desconhecidos para a grande maioria da população?          

               Em 1982 foi concedido o prêmio Nobel de medicina a John Vane, Sune Bergstrom e Bengt Samuelsson por suas descobertas iniciais sobre a estrutura e a função dos eicosanóides. O trabalho desses cientistas levou à compreensão de como os eicosanóides controlam praticamente todos os aspectos da fisiologia humana.Os eicosanóides são hormônios autócrinos (não circulam na corrente sangüínea) que atuam em concentrações incrivelmente baixas e se autodestroem em segundos. Esses fatores tornam seu estudo no corpo humano praticamente impossível. De fato, a maior parte do que descobriu-se sobre esses hormônios vem de estudos em laboratório. Anualmente novos eicosanóides têm sido descobertos assim como o importante papel desempenhado por esses hormônios no controle de outros sistemas hormonais.

               Os eicosanóides são formados a partir de um grupo singular de ácidos graxos essenciais poliinsaturados ("gorduras") contendo vinte átomos de carbono (Eicosa = vinte, em grego). A função dos eicosanóides, uma vez secretados pela célula, é testar o meio externo e reportar à célula o que há além de suas fronteiras. Por isso os eicosanóides podem ser vistos como os mediadores moleculares do estresse da célula. Se houver qualquer mudança no meio externo da célula, o eicosanóide, interagindo com seu receptor na superfície celular, pode modificar a reação biológica da célula. Como não existe uma "glândula" específica secretando eicosanóides (todas as células do organismo os produzem), não existe central que ative ou desative sua ação. A natureza resolveu o problema desenvolvendo diferentes tipos de eicosanóides que possuem ações fisiológicas diametralmente opostas. Assim, em uma abordagem simplificada, podemos ver essa "família" de eicosanóides como sendo composta de eicosanóides "bons" e "ruins". Do ponto de vista cardiovascular, as "linhagens" de eicosanóides "bons" causam vasodilatação e reduzem a agregação plaquetária, enquanto os "ruins" agem em sentido contrário (vasoconstrição e aumento da agregação plaquetária).

               O prêmio Nobel de medicina de 1982 proporcionou insights sobre a natureza molecular da doença crônica, redefinindo-a como o desequilíbrio nos níveis de eicosanóides. Em essência, quanto mais o equilíbrio dos eicosanóides pende para os eicosanóides "ruins", maior a probabilidade de desenvolvimento de doenças crônicas. Por outro lado, quanto mais o equilíbrio pende para os "bons" eicosanóides, maior o bem-estar e a longevidade da pessoa. Seguindo esse raciocínio, se você estiver sofrendo um enfarte, estará produzindo mais eicosanóides "ruins" (que promovem a agregação plaquetária e a vasoconstrição) e não estará produzindo eicosanóides "bons" em número suficiente (que impeçam a agregação plaquetária e promovam a vasodilatação). Se sofrer de hipertensão, está produzindo mais eicosanóides "ruins" (vasoconstritores) e eicosanóides "bons" em número insuficiente.

               Outras doenças crônicas também têm relação com esse desequilíbrio, como Artrite - maior produção de eicosanóides "ruins" (pró-inflamatórios) e eicosanóides "bons" (antiinflamatórios) em número insuficiente, Câncer - mais eicosanóides "ruins" (que deprimam a imunidade) e menos eicosanóides "bons" (que estimulem a imunidade), Diabetes do Tipo 2 - maior nível de eicosanóides "ruins" (que estimulem a secreção de insulina) que eicosanóides "bons" (que inibam a secreção de insulina) e o próprio envelhecimento - os eicosanóides ruins estimulam a reprodução do DNA celular, com o consequente encurtamento do telômero. Na verdade, praticamente todas as doenças crônicas podem ser redefinidas em termos de desequilíbrio de eicosanóides.

                E aonde entra a Insulina nesse jogo? Ela estimula a produção de eicosanóides "ruins" e também tem sua produção estimulada por eles, gerando um ciclo vicioso. Ou seja, níveis elevados de Insulina estimulam vasoconstrição e agregação plaquetária via Hormônios Eicosanóides, os quais, por sua vez, ajudam a manter a Insulina elevada. Embora os níveis sanguíneos aceitos como normais para a Insulina geralmente variem de 3,0 a 24,9 uIU/mL, estudos conduzidos pelo Dr. Barry Sears (médico e pesquisador do MIT - EUA) e outros cientistas apontam para um patamar de segurança bem inferior, em torno de 6,0 uIU/mL, acima do qual ocorre o estímulo para a produção dos eicosanóides indesejáveis e, portanto, Risco Cardiovascular.
              
               Todos os eicosanóides acabam sendo produzidos a partir dos ácidos graxos essenciais que o organismo não pode produzir e, portanto, devem ser obtidos por meio da alimentação. Esses ácidos graxos essenciais são classificados como ômega-3 (Ácido Alfalinolênico - ALA) ou ômega-6 (Ácido Linoléico - AL), dependendo da posição das ligações duplas entre os átomos de Carbono dentro deles. Nesse processo existem duas vias de grande importância que determinam a quantidade e qualidade dos eicosanóides a ser produzida. A primeira via, que é controlada pela enzima Delta-6-dessaturase, forma o Ácido Gamalinolênico (GLA) que origina o Ácido Dihomo Gamalinolênico (DGLA), precursor da maioria dos eicosanóides "bons" - antiinflamatórios, antiagregantes plaquetários e vasodilatadores. Essa via é inibida pela idade, ácidos graxos "trans" e infecções virais.

               A segunda via, controlada pela enzima Delta-5-dessaturase, nada mais é que a continuação da primeira, já que ela transforma o DGLA (produzido na via Delta-6 e precursor dos eicosanóides "bons") em Ácido Araquidônico (AA) precursor dos Eicosanóides "ruins" - pró-inflamatórios, agregantes plaquetários e vasoconstritores. Essa via é inibida pelos Ácidos Graxos Ômega-3 Eicosapentanóico (EPA) e Docosahexanóico (DHA) e pelo Glucagon, e estimulada pela Insulina.

               Então, podemos dizer que, para que o nosso organismo produza uma maior quantidade de Eicosanóides "bons" e uma menor de "ruins", o que precisamos fazer é frear a segunda via da cadeia de produção de Eicosanóides, aquela que transforma DGLA em AA. Alguns cuidados com relação à alimentação nos ajudam a pender a balança para a produção de Eicosanóides "bons", retardando ou prevenindo o aparecimento das doenças crônicas secundárias ao processo inflamatório subclínico. São eles:

               - reduzir o estímulo à elevação da Insulina e melhorar o estímulo para a liberação de Glucagon, ou seja, equilibrar a ingestão de carboidratos e proteínas. Estudos recentes indicam a relação de 3 gramas de proteína para 4 gramas de carboidratos (3:4) como a mais eficaz para manter a Insulina em níveis ótimos (< 6,0 uIU/mL). E o ideal é consumir carboidratos integrais, que são absorvidos mais lentamente e também retardam a liberação de Insulina.

               - equilibrar a oferta de ácidos graxos Ômega-6 e Ômega-3 na alimentação. Estudos na área de Paleontologia e Antropologia estimam em 1:1 a proporção de ácidos graxos ômega-6/ômega-3 consumidos pelo homem, desde o período neopaleolítico até o início do século passado. Até meados do século passado, a proporção aumentou um pouco, chegando a aproximadamente 4:1. Atualmente a proporção aumentou para quase 20:1, em função do rápido aumento no uso de óleos vegetais (ricos em ácidos graxos ômega-6, precursor de Ácido Araquidônico) e a correspondente diminuição no consumo de peixe (rico em ácidos graxos ômega-3, inibidor da produção de Ácido Araquidônico). A solução mais prática para equilibrar a relação Ômega-6/Ômega-3 (o ideal é até 3:1) na dieta é utilizar cápsulas de Ômega 3 purificado como suplemento alimentar e evitar frituras.

               - reduzir, ou mesmo evitar, o consumo de gorduras "trans" que inibem a enzima Delta-6-dessaturase e a formação de Eicosanóides. Mas como saber se estamos consumindo ácidos graxos do tipo trans? Basta procurar no rótulo dos produtos a expressão "gordura vegetal parcialmente hidrogenada". Se achar, com certeza o alimento em sua mão contém ácidos graxos do tipo trans.

               Para finalizar, uma observação pertinente. Adotar uma dieta equilibrada em suas relações Carboidratos/Proteínas e Ômega-6/Ômega-3 é, atualmente, a única forma de melhorar a formação de Eicosanóides "bons". Isso ocorre porque Hormônios Eicosanóides são inativos se administrados por via oral. Para serem eficazes, precisariam ser administrados diretamente por injeção arterial e não venosa. Essa característica, aliada ao fato de eles se autodistruirem em segundos, tem barrado o interesse da indústria farmacêutica no assunto até o presente momento.

3 comentários:

  1. Não achei o que procurava!
    Mas adorei a leitura e aprendi outras coisas que té então desconhecia! ( :

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  2. Muito bom! A única ressalva é em relação a como detectar a g. trans nos alimentos industrializados, cujos fabricantes tem artimanhas para não escrever "parcialmente hidrigenada", muitos escrevem só "gordura vegetal", sobretudo quando a porção do alimento (indicada na tabela nutriconal) contém menos de 0,2 g de g. trans e então podem colocar como ZERO... piada né? Obrigado pelo artigo.

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